Herança Digital

“A morte é a possibilidade mais própria, intransferível e inevitável do ser.”

Com essa reflexão, o filósofo alemão Heidegger nos conduz à consciência de que a finitude é intrínseca à existência humana. No entanto, embora a morte seja um evento individual, seus efeitos jurídicos se estendem para além do viver e abarcam aspectos sujeitos à transmissão, em especial no âmbito do direito sucessório. 

Tradicionalmente voltado à transmissão de bens materiais, esse ramo do direito enfrenta, atualmente, novos desafios impostos pela era digital. Perfis em redes sociais, arquivos armazenados em nuvem, senhas, criptomoedas e outros ativos digitais passaram a integrar o patrimônio deixado pelo falecido, dando origem à denominada herança digital. Diante disso, o ordenamento jurídico tem sido submetido a reinterpretação de conceitos clássicos sobre sucessão, vez que a presença virtual permanece viva mesmo após a morte de seu titular. 

Apesar de sua natureza individual, o direito sucessório é profundamente atravessado por vínculos afetivos e tem como finalidade principal garantir a segurança das relações familiares. A sucessão, portanto, não se resume à mera transferência patrimonial, mas reflete a continuidade da dignidade da pessoa humana mesmo após a morte, dialogando diretamente com os direitos da personalidade, tais como o respeito à memória, à imagem e à proteção da esfera íntima do falecido. 

Assim, com o avanço da digitalização e a crescente existência online, surge a necessidade de classificar os bens digitais de forma mais precisa. Esses bens, em geral, se dividem em duas categorias: sentimentais (ou existenciais) e híbridos. Os bens sentimentais são aqueles sem valor econômico, mas dotados de carga emocional, como fotos, vídeos, mensagens e outros arquivos pessoais armazenados gratuitamente na internet. Já os bens híbridos combinam valor afetivo e patrimonial, como perfis, canais e contas digitais com grande alcance, que podem despertar interesse familiar tanto pelo vínculo emocional quanto pelo potencial econômico que representam. 

Com o reconhecimento das diferentes classificações de bens digitais, o Judiciário tem sido desafiado a lidar com questões relacionadas ao acesso a ativos digitais de falecidos, inclusive aos bens sentimentais, culminando em novas interpretações jurídicas que reconhecem a relevância desses bens para os herdeiros e a necessidade de adaptar as normas às particularidades do mundo digital. Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou sentença de primeiro grau para garantir à autora o acesso ao “ID Apple” de sua filha falecida, com fundamento no Enunciado 687 do CJF, segundo o qual o patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária.

Diante disso, a inclusão de bens digitais em testamento é primordial para garantir a adequada destinação dessas propriedades após a morte, de forma a prevenir conflitos entre os herdeiros. Com o crescente valor, tanto econômico quanto afetivo, desses bens, formalizar a vontade do titular é fundamental para proteger a privacidade, preservar a memória e assegurar a transmissão efetiva de direitos. Desse modo, o testamento que contempla a propriedade digital fortalece a segurança jurídica ao orientar o gerenciamento do patrimônio virtual e evitar divergências decorrentes da ausência de orientações claras.

Por Camila Tolentino, advogada.

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